segunda-feira, 11 de abril de 2011

"À minha avó Amelia...

Mesmo sem pensar muito na data, não consigo esquecer este dia. Lembro-me tão bem, dos dias anteriores, da ultima visita ao hospital, do sorriso e da alegria que nesse dia mostravas e que ainda hoje guardo como ultima imagem de ti.
Lembro-me do telefonema, de me virem buscar, do silencio em casa, das lágrimas e dos soluços de choro abafados, lembro-me da dor, da sensação de vazio e o olhar vago de todos. Lembro-me de estar sozinho. Lembro-me do avô, dos silêncios, ainda maiores que os habituais nele. Lembro-me da preocupação de alguém, quanto à roupa escura, não tinha roupa preta e essa era a preocupação maior... como se o luto não fosse uma coisa interior, bem superior a uma mera camisola ou calças pretas...
Essa são as recordações más, as desse dia, do dia seguinte, das horas na igreja, onde não me lembro de ninguém embora saiba que muita gente esteve lá e falou comigo, lembro-me de abraços, lembro-me de palavras de apoio, mas não recordo caras, não recordo vozes, não me lembro. Lembro-me de pequenas coisas, espaçadas, lembro que chovia e que estava frio, foi um Abril de Inverno esse ano, ou então não... não sei, mas nesses dias choveu bastante e estava frio. Nesses memorias espaçadas e sem conseguir recordar caras, lembro-me da discussão na igreja, com pessoas que não sei quem são, mas que na altura faltaram ao respeito em relação a tudo e a todos e se questionavam sobre o destino da tua roupa... a quem é que interessa a roupa...
Lembro-me das horas antes e de pequenos instantes antes da missa do funeral começar, lembro-me de ter lá estado, mas não me lembro de muito mais, uma espécie de corpo presente, com o pensamento nas memorias, nas lembranças, a tentar guardar tudo, os cheiros, as imagens, os afagos, os gestos... tudo o que foi nosso e que da forma que conhecíamos, terminava ali.
Mas essa são como disse, as recordações más, as lembranças de momentos maus.
Quando me lembro de ti, não é nisso que penso, não são esses os momentos que me lembro, nunca são estes.
De ti lembro-me dos sorrisos, das historias, das bolachas, do cheiro a alfazema que trazias sempre em saquinhos nos bolsos, nos rituais com as flores, do alecrim, à alfazema, às azálias, aos jarros. Dos cuidados com a fruta, as ameixas, os "pelitros", os "pêssegos do cedo", as "uvas morangas" e as nozes. Sim, os cuidados maiores eram com as nozes, lembro-me de caixas e caixas a secarem ao sol, estendidas e recolhidas na eira, todos os dias, até "cantarem" umas nas outras, sinal de que estavam prontas para serem guardadas.
Lembro-me das historias, sim, essas não me esqueço e hei-de contar sempre que alguém as queira ouvir, historias de tempos que não conheci, mas que foram importantes para ti e que descrevias com um brilho especial, um brilho enorme no canto do olho.
Não posso falar de ti, sem falar do avô. Os dois juntos, durante mais de 50 anos, fizeram historia, 3 filhos, 5 netos e agora, já 2 bisnetos... trazemos muito dos dois, cada um de nós.
Dizem que sou muito parecido com o avô, dizias-me tu também muitas vezes, quando trocava os silêncios dele, pela tua companhia nas escadas a descascar favas ou a fazer outra coisa qualquer, pois não me lembro de te ver parada, mas sei que tenho muitas parecenças contigo, o gosto pela terra, pelas flores, não sei, mas não importava que fosse a ti, que tivesse ido buscar este gosto. Seria com orgulho.
Hoje já é de novo dia 9 de Abril, mais um ano que passa e sinto a tua falta, sempre da mesma forma, no meu pai, que sempre que vai lá casa fica diferente, mais triste, no avô, no seus silêncios profundos, no vazio da casa, no silencio da mesma, no cheiro das roupas, da casa, até nas flores da frente da cozinha, perderam o encanto, entristeceram com o avô, silenciaram-se fazendo-lhe companhia.
Para mim, serás sempre a avó Amélia.
E guardo-te ao meu jeito, esquecendo os momentos maus, da doença, dos hospital, do funeral, da missa, das pessoas sem respeito...
Guardo-te e é assim que te lembro, sempre pronta para a conversa, de sorriso sincero no rosto, sempre com um mimo e um afago ao chegar e ao sair lá de casa, guardo-te e lembro-te no cheiro a alfazema, que ainda hoje me acompanha e faço questão de manter próximo, lembro-te e guardo-te... como sempre foste para nós: um exemplo! "

Passou mais um ano...

2 comentários:

Rachelet disse...

A tua com os «pelitros», a minha com os «beijinhos» (e eu nem gostava assim tanto, mas fazia parte, uma daquelas tradições que se instituiu de parte a parte - a dela, de dar, a minha, de receber).

Também pouco me lembro das burocracias funerárias a não ser que também houve uma dessas cenas desagradáveis de gente mesquinha que se põe aos berros por coisas que não interessam nada na hora.

Enfim, as lembranças boas são o que vem à cabeça primeiro quando pensamos nas avós e tomara nós que quem deixarmos para trás possa dizer o mesmo de nós. :)

Zé Carlos disse...

:-)
É isso mesmo, tomara que alguém diga o mesmo de nós... um dia ;-)