terça-feira, 25 de janeiro de 2011

Quase um ano depois e em certos dias sinto que pouco mudou...



Crush
- Garbage

"No regresso a casa, dei conta da confusão que deixei instalar neste pequeno espaço a que posso chamar meu, desde a entrada, passando pelo quarto ou pela sala e até na varanda, encontro coisas espalhadas, tapetes desalinhados, moveis por limpar, plantas secas ávidas de água e na loucura das atenções um adubo nesta altura do ano não seria nada de especial, mas sem precisar de procurar, até porque se encontram bem à vista, vejo os saco das reciclagens abarrotarem quer de plásticos, quer de papeis. É igualmente fácil de perceber que, apesar da desculpa do feriado, já deveria igualmente ter colocado o lixo na rua... a semana passada.
Enquanto mudava de roupa, pois o final de tarde trouxe chuva, que mesmo de curta duração foi suficiente para me ensopar as calças e a camisola, dei conta, ao espelho, da minha (triste) figura. Enquanto esperei que o vapor da água quente do chuveiro se instalasse pela casa, continuei a despir-me e a avaliar-me no reflexo. O cabelo em desalinho diz-me que preciso de o cortar, a barba por desfazer desde há dias lembra-me que não me tenho observado ao espelho com atenção, de outra forma não a deixaria chegar a este tamanho, deixo os olhos percorrer-me o corpo e à pele seca acrescento ainda a estrema magreza que detecto na zona do peito, nos braços e pernas, não dei conta de perda de peso, mas o facto das calças dançarem e parecerem maiores do que o que são, pode afinal ser explicado. Estou magro, seco, descuidado...
A ronda de avaliação, continua agora pela roupa, há um monte dela por passar, há outro ainda maior que precisa de ser lavado e dou-me conta que deixei de ter ordem nas gavetas, a que antes era só de meias, apresenta agora t-shirt's, boxer's e papeis que caíram da gaveta de cima, utilizada para os recibos da luz e da agua e de todas as outras coisas que me chegam para pagar e que guardo com a intenção de um dia os organizar.
Peguei em roupa do armário e deixei-me arrastar até à sala, com intenções de colocar alguma música a tocar. Mais uma  revelação, dei-me conta que dos poucos cd's que estavam pelas caixas,  raros eram os que correspondiam e dei razão a quem tantas vezes me chamou atenção para identificar os cd's de mp3's, um nome, qualquer coisa que fosse.
A minha frase preferida: depois arrumo, virou-se contra mim e a situação está no estado limite de desorganização, não me lembro de ter estado alguma vez neste ponto, tão descontrolado. Há poucas diferenças, entre mim e a casa, estamos um caco, um farrapo, um lixo.
Sem saber ao certo o que estava dentro do cd, liguei o leitor, aumentei o volume e deixei-me embalar até ao banho. A água quase a escaldar, o cheiro a alfazema do gel e do sabonete, trouxeram-me à memoria outros banhos e talvez por isso ou talvez também por isso, aguentei ao máximo o calor da água a escorrer-me pelo corpo, antes de o reduzir. A vontade de mudança, de me querer diferente, aumentou com o escaldão que apanhava e talvez por isso, não senti e nem me importei com o ardor que senti nas costas, causado pela luva de crina e continuei a "purgar-me".
Depois do banho tomado, barba desfeita, cabelo penteado, água de colónia borrifada e creme hidratante espalhado, senti-me outro e tratei de minimizar os estragos, remediar asneiras e arrumei o que pude, da melhor forma que consegui. Mesmo assim, falta uma limpeza profunda, preciso livrar-me de revistas e de jornais, pois vou acabar por nunca os ler, preciso cuidar das plantas, arrumar os cd's, sacudir melhor os tapetes e passar um reparador nos moveis e chão. Tenho que organizar a roupa, alguma de Inverno é já para guardar e posso já começar a deixar à mostra t-shirts e camisolas mais finas, começam a ser precisas.
Num balanço rápido pelo fim da tarde, é notório o esforço e a mudança no aspecto das coisas, é ainda mais notória a tomada de consciência de algo que sei desde há já muito tempo, é mais fácil arrumar o que é visível do que o que me é mais essencial: eu próprio. Por dentro, continuo desalinhado, continuo descuidado, continuo magro, continuo vazio..."
ps. a beleza das palavras está na maior parte das vezes, no que conseguimos fazer com elas, num mundo (como o meu) em que a realidade, o sonho e a ilusão, se misturam entre si e igualmente com a ficção, é difícil por vezes ter a noção onde cada uma das dimensões começa e termina. Por ser assim complexo, por o meu mundo ser assim complexo, muitas das vezes perco-me no que digo, no que sinto, no que digo sentir e deixo-me levar no remoinho das lembranças, dos sonhos, do que gostava de ser e não consegui ou me deixaram. Agarro-me a um sorriso, a um olá, a um gesto, como se fosse a mais pura das declarações e sinto as ausências e as distâncias como um anzol a ser arrancado... e perco-me!

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