quarta-feira, 22 de setembro de 2010

Ainda de volta das coisas com algum tempo...

(Janela em casa da minha avó - não me lembro da data)

Sei que me procuras, quase sempre de fugida. Mas sei que te interessas, que te importas, mesmo que faças silencio e não me fales.
Eu, procuro-te à distancia, imagino percursos, caminhadas e rotinas que vais fazendo de manhã à noite. Olho os vestidos nas montras e sei dizer se te ficavam bem ou não, se ias gostar de provar ou não, consigo imaginar até, a tua expressão de agrado ou nem por isso...
Ao mesmo tempo esqueço-te nos livros que leio, nas coisas que faço e nas tarefas que procuro arranjar. Esqueço-te, tentando não pensar...
Sinto-te na distancia das memorias, na saudade dos meses mais quentes... mas encontro-te no calor das camisolas de lã, no aconchego das pantufas e acredita até no fumegar do chã quente, bebido aos golinhos entre trincas nos biscoitos limão ou nos bolos de feijão...
Trago-te nos desenhos da caneta azul, na cor da camisola ou na descontracção dos chinelos.
Tracei ponto a ponto um esboço do teu rosto, do teu corpo, apenas de memoria e posso dizer que sei bastante sobre ti, conheço-te em detalhes mas confundo-te em pormenores que podem ou não ser teus... já não sei, a lembrança atraiçoa-me em certos momentos, não garanto que sejam todos teus estes sinais que guardo na memoria e teimo em associar...
Vejo-te na luz do flash da máquina, no som metálico que se solta ao carregar o rolo, ao soltar os botões e ao rodar os cilindro que seguram o filme. Coloco-te em fotografias, tiradas de memoria, sem tripé ou focagem segura, tiradas com o instinto de quem fecha os olhos, na certeza de que por muito boa que que seja a fotografia, a memoria da visão das coisas ultrapassa em larga escala o registo em película.
Invento-te um cheiro, um perfume, pois não consigo associar-te nenhum. Imagino que tenhas um perfume, uma fragancia só tua, com um nome estranho e de difícil pronuncia, mas não me lembro ou então... esqueci-me.
Vou-te esquecendo aos poucos...

E tal como a luz, que entra na janela do terraço da minha avó, que só por breves instantes se consegue captar segundo um feixe definido e dirigido... também as minhas palavras, tem uma curta duração, valem o que valem, significam o que quiseres. Hoje são certamente diferentes das de amanha, na forma e no sentido, no que poderão querer dizer.
Mas são as palavras que utilizo nos meus textos, que me fazem sentir-te perto, ainda próxima... ainda acessível e quando deixar de conseguir encontrar-te nessas mesmas palavras com que brinco, nos textos e bilhetes que vou deixando, será sinal que te esqueci...

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